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Desmontando o ArMário

Atualizado: 15 de ago. de 2019

A Alegria da Comunicação –Aprender a colocar-se no lugar do outro!


Quando tinha 17 anos e vivia no Brasil, ouvi

a minha professora de voz, a sábia Glorinha Beutemuller,

dizer: «A comunicação reside no olhar».

Ficava clara a importância de realmente olharmos para as

pessoas quando falamos, principalmente quando nós, atores,

interpretamos as nossas cenas.

Há já muitos anos que faço os meus espetáculos com as

luzes todas acesas, olhando nos olhos das pessoas. A ação

dos espetáculos decorre dentro de um consultório de um

analista: eu interpreto os personagens e o público é o meu

analista. Assim, posso olhar os espetadores nos olhos e

conversarmos o tempo todo, principalmente quando o público

está calado.

Uma pessoa que me olha de braços cruzados quer dizer

uma coisa, uma pessoa que está com a mão no queixo quer

dizer outra. Posso não saber o que elas pensam, mas, quando

as OLHO, sinto algo no meu coração. Esta informação

segue diretamente para o hemisfério direito do cérebro, o

lugar da nossa inteligência intuitiva e emocional.

No dia seguinte, alguém me faz uma proposta que me parece

boa, clara e lógica, mas que me leva a sentir algo estranho.

Contudo, penso: «A proposta é boa, clara, lógica.»,

e sigo em frente. Alguns dias depois, as coisas correm mal,

porque NÃO DEI OUVIDOS à sensação estranha, que era a

minha intuição. É fundamental que aprendamos a escutar

aquilo que não é dito pelas palavras, pois a forma de você

me ouvir calado, é a forma de você falar comigo.

Isto é maravilhoso, pois podemos recuperar uma relação no

trabalho ou em casa se voltarmos a «escutar as pessoas».

Carlos Alberto é um personagem do espetáculo «Mário, teu

Humor está no Armário». Trata-se de um executivo que

perdeu o emprego e que agora é um dono de casa, tendo de

enfrentar os desafios do lar. Ele tem medo e dramatiza

demais as dificuldades com que se depara na sua nova vida.

Quando vai fazer alguma coisa, percebe que afinal não é

tão horrível como ele pensava, aprende a tirar prazer da

situação e acaba por dar valor ao trabalho que a sua mulher

faz em casa. Ele aprende a colocar-se no lugar de uma outra

pessoa.

Muitas vezes reclamamos do colega do lado, mas não fazemos

o trabalho dele, pois não? Ocupar o lugar do outro não

é apenas pensar em fazer o trabalho do outro. É ter consciência

de que a outra pessoa que está a ouvir-nos é diferente

de nós: que ela aprendeu que «a cor vermelha é vermelha

» de uma maneira diferente da nossa, que cada um

tem um histórico pessoal, emocional e corporal completamente

diferente.

Assim, quando falamos é importante perceber se a outra

pessoa está realmente a compreender a nossa mensagem.

Se realmente estamos a transmitir a mensagem de uma

forma clara. Convém perceber como o(s) outro(s) nos escuta(

m) enquanto falamos.

No mundo ocidental falamos demais e escutamos pouco.

Isto é uma doença.


Se se escutassem melhor, muitas das pessoas que discutem

frequentemente talvez não o fizessem tanto. Também já vi

inúmeras vezes pessoas a discutir embora concordassem

uma com a outra, tudo só porque não se escutavam!

Há enormes problemas nas relações afetivas e profissionais

motivados por ruídos de comunicação. Se aprendêssemos a

escutar, os problemas ficariam reduzidos a metade.

É muito importante saber «parar» – fazer realmente um stop.

Olhar para a pessoa e deixar o som dela vir até nós. Começará

a ouvir e a ver coisas a que não está habituado.

E, assim, a sua intuição poderá ficar mais ativada. Passo a

explicar: ao criar a paciência e a calma para escutar, haverá

momentos em que poderá escutar algo vindo através do

silêncio. Assim, você poderá escutar as sensações e a sua

intuição, que é ativada pelo hemisfério direito do cérebro,

o lugar da dita inteligência emocional (de que Daniel

Goleman1 tem vindo a falar há anos). Durante a comunicação,

irá muitas vezes sentir algo que vem de dentro como

uma voz: «É melhor dizer isto agora» ou «É melhor não

falar agora». E também poderá sentir «algo não muito

claro» mas que o cérebro registará e que, mais cedo ou

mais tarde, ficará mais claro, até que o entenderá através da

inteligência emocional juntamente com a inteligência lógica

(hemisfério esquerdo do cérebro).

O hemisfério direito do cérebro, com a inteligência emocional

desenvolvida, tem uma relação direta com o hemisfério

esquerdo. As duas partes do cérebro funcionam juntas,

como numa dança: tenho a intuição ou sinto a sensação,

e posso pensar com a minha inteligência lógica sobre como

agir para melhorar a minha conversa, ou deixar o meu corpo mais confortável, tornando assim a comunicação mais

agradável e produtiva.

Algumas pessoas dizem-me: «Mas isto é difícil».

Eu respondo: «Se disser para si próprio que é difícil, o seu

hemisfério direito do cérebro escutará e passará a ser difícil.

Tenha cuidado com o que diz, pois o hemisfério direito

do cérebro ouve. A nossa mente é poderosíssima.»

Recomendo que a palavra «difícil» ou «complicado» seja

substituída por: «É possível!».

E começar a ativar o seu hemisfério direito do cérebro é

simples: comece a permitir-se escutar. Eis um bom exercício:

quando alguém perguntar «Você está bem?», em vez de

responder de imediato como piloto automático, iniba essa

resposta, olhe para a pessoa, escute-a e receba a mensagem.

Então perceberá de que maneira vai querer responder-lhe.

Assim, começamos a mudar um hábito. Comece a realmente

escutar e falar menos; poderá abrir um novo campo de

informações e nascerá um novo prazer no ato de conversar.

A mudança de hábitos remete-me para um trabalho com o

corpo que fiz durante muitos anos chamado «Técnica Alexander

», criado por Frederick Mathias Alexander2, em Londres,

que consiste em mudarmos os nossos maus hábitos

que nos causam tensão e impedem o nosso corpo de se

expandir. O mais interessante é que não é apenas um trabalho

corporal em que temos de fazer exercícios. É um trabalho

feito com um professor da técnica, em aulas individuais,

onde percebemos como a maneira que pensamos está

ligada à maneira como nos movimentamos. Assim, através

das aulas, aprendemos a inibir os maus hábitos, a pensar

sobre eles e a começar a permitir que o corpo adquira um

novo movimento ou um movimento que é mais natural

(sem tensões) e que está coordenado com a sua maneira de

pensar. Fiz durante muitos anos aulas da «Técnica Alexander

» com o professor Roberto Reveilleau, que dá aulas no

Brasil e em Portugal, o que se revelou fundamental para o

meu trabalho, pois falo constantemente sobre mudanças.

Propor que inibamos nossas falas «automáticas» e passemos

a ouvir está ligado aos anos de trabalho com esta técnica.

Podemos realmente usar o dom da escuta e expandi-lo.

Todas as células do corpo humano têm inteligência, afeto e

sensibilidade. Quando comunicamos, todo o nosso corpo

está presente, isto é, funcionamos de forma inteira. A voz

não vem apenas da garganta, vem do corpo inteiro. O mesmo

se passa em relação a ouvir: não escutamos apenas com

os ouvidos, mas com o corpo inteiro. Assim, durante a comunicação,

os corpos transmitem sensações, emoções e

pensamentos.

Quando escutamos/falamos, estamos a olhar para o(a) nosso(

a) interlocutor(a). A outra pessoa também tem um corpo

que está presente, e, por mais que a olhemos nos olhos, percebemos

o outro corpo que também se comunica connosco.

E várias informações são passadas durante a conversa. Às

vezes, sentimos se fulano é uma pessoa agradável, ou se

sicrano fala muito depressa, ou se o nosso corpo se sente

desconfortável ou, se temos uma intuição melhor, que é a

hora de «abordar o tal assunto». Isto para os vendedores é

fundamental. Se eles estiverem concentrados a escutar o seu

cliente no momento presente, sentirão o momento exato

para abordar um determinado ponto ou mesmo para se

calarem. O mesmo ocorre no trabalho em equipa.

Se você quer recuperar uma relação em casa ou no trabalho,

ou mesmo aprender a trabalhar melhor em equipa,

escute. As grandes mudanças começam com o simples ato

de ESCUTAR!

Escutar significa também doar o seu tempo de vida para

olhar, perceber o outro, e então acontece «o escutar»! Isto

é colocar-se no lugar do outro!

Além de que este ato acarreta uma generosidade, pois estou

a abrir-me para ouvir algo que pode ser completamente

diferente do que eu penso, e do que eu sou.

Conversar é uma arte e podemos aprender imenso com ela!

Apresentei o meu trabalho ao sector de vendas de uma

empresa onde acontecia que os vendedores achavam que os

clientes estavam «ganhos», isto é, fidelizados, mas um ou

dois anos depois perdiam-nos.

Quando acabou a palestra, um vendedor procurou-me e disse:

– Agora estou a perceber… Eu tratava o meu cliente sempre

da mesma forma, sorria para ele, achava que ele estava

nas minhas mãos, tudo porque já tinha efetuado a venda.

Mas agora vejo que eu deixei mesmo de escutá-lo. Acho

que deixei de escutar até a minha mulher lá em casa, e já

não nos entendemos tão bem! Vou falar menos, sabia?

Um outro vendedor disse-me:

– Eu adoro vender, mas, quando vendo, fico tão excitado,

que embora tenha aprendido que deveria ouvir o meu cliente,

acabo por não o fazer, limito-me a fingir que o oiço!

Sabe que tenho a sensação, ou intuição, de que, se escutar

de verdade, venderei melhor?

Um outro diretor de uma empresa de software telefonou

para me contar:

– Eu não podia acreditar! Estava eu a almoçar perto de dois

homens e um deles disse: «Para de falar de mais. Faz como

o Raul nos ensinou e ouve-me. Se não, ficas a falar sozinho.

Eu estou cansado disto, só que eu é que te escuto!».

E o diretor continuou:

– E as pessoas cumprimentam-se de uma forma nunca

antes vista.

– Como assim? – perguntei.

– Existe calma, e as pessoas têm prazer em dizer «Bom

dia» e olham-se quando se cumprimentam! O que é isto?

– As pessoas são inteligentes. Percebem que podem escutar,

basta quererem.

Num congresso de Informática, um diretor de uma empresa

procurou-me após a minha apresentação:

– Quero dizer-lhe uma coisa. Todos os dias, quando chego

a casa, o meu filho de 7 anos vem logo falar comigo, dá-

-me um beijinho e começa a falar. Eu olho para ele, ouço-o,

mas cinco minutos depois fico só a olhar para ele fingindo

que estou a escutar, pois na verdade estou a pensar nos problemas

do meu trabalho. Hoje, prometo, vou querer realmente

escutar o meu filho.

Um outro exemplo similar aconteceu em Angola quando

me desloquei até lá em trabalho em março de 2010. Um

homem que trabalha no sector de marketing disse-me:

– Os meus filhos, que ainda são pequenos, queriam falar

comigo quando eu chegava a casa, e eu despachava-os, dizendo

que não tinha tempo para ouvi-los. A minha mulher

reclamava, dizia que era importante que eles sentissem a

presença do pai. E eu dizia: «Mas eu já estou aqui! Eles não

estão a ver-me?». Mas, depois de assistir ao seu trabalho,

cheguei a casa e comecei a ouvi-los. E tenho-o feito todos os

dias. Parece que estou a conhecê-los melhor. E digo ainda:

«Venham cá que o pai quer dar-vos um abraço!». E tenho

sentido prazer nisso; na verdade, parece que estou a descobrir

o que é ser pai!

No caso acima, este homem passou a praticar mais «o escutar

», redescobriu o seu papel de pai, e é claro que tanto a

autoestima dele aumentou, como os filhos receberam mais

atenção e afeto, o que pode resultar em relações mais

saudáveis. Podemos sempre refinar a nossa comunicação e

isto trar-nos-á BONS RESULTADOS tanto nas relações pessoais

como nas profissionais.

Uma vez um vendedor disse-me:

– E se faço todo esse esforço e o cliente não compra nada?

– Ele pode não comprar. Agora, isto não pode ser um esforço,

não é para forçar. Se você se doa e ouve o seu cliente,

construirá uma relação sólida. Esse cliente pode não comprar

agora, ou até não comprará a si, mas poderá comentar

com outra pessoa ou outra empresa quão bem atendido foi

por si.

Não há preço que pague a recomendação de um cliente para

outro. Isto já aconteceu num trabalho onde eu apresentava

para vendedores de óticas de um laboratório.

Havia um grande vendedor, que era famoso porque gostava

das pessoas e tinha prazer em escutá-las.

Contaram-me que, uma vez, uma senhora de 70 anos lhe

disse:

– Eu não vou comprar nada agora, mas sei que a minha

vizinha está a precisar de fazer lentes novas, vou aconselhá-

la a vir aqui falar consigo! Você trata-nos tão bem!

Isto é uma ponte para o presente e para o futuro. A ação

desta senhora vale muito dinheiro e o trabalho do vendedor

também.

Fiz uma apresentação numa empresa de telecomunicações,

onde existia um conflito de comunicação entre os diretores

e os colaboradores.

No dia seguinte, o diretor ligou-me:

– Foi a primeira vez que um diretor pediu a opinião de um

colaborador na reunião. Ele virou-se e disse: «Então, diga-

-me, o que pensa sobre isto?». As pessoas ficaram surpreendidas,

pois ninguém esperava que este homem, que é considerado

um dos mais difíceis, fosse uma das pessoas a perguntar.

Obrigado!

– Obrigado, eu! – respondi. – As pessoas surpreendem-nos

sempre!

As empresas perdem milhões de euros devido à falta de

uma comunicação sadia, o que impede que o trabalho seja

mais eficaz. Isso acaba por afetar profundamente a produtividade.

Este é o grande drama das fusões nas empresas. Não tivemos,

quando éramos pequenos, um trabalho emocional que

nos ensinasse a conviver com as diferenças do outro e a

aceitar as mudanças nos nossos corações. Não tivemos

aulas de relacionamento na escola!

Muitas vezes os diretores das empresas que se fundem dizem:

– Vocês têm de aceitar. São as mudanças do mercado!

E as pessoas acatam intelectualmente, mas, emocionalmente,

rejeitam, e odeiam terem de ouvir aquela pessoa que

«eu não conheço e que está a ocupar o lugar do meu colega

que foi embora!».

Uma vez, fui chamado por uma grande empresa de petróleo

que tinha acabado de se fundir. A diretora de Recursos

Humanos disse-me:

– No ano passado, na festa de Natal, as pessoas da empresa A

recusaram-se a sentar-se perto das pessoas da Empresa B e

a empresa C também não quis saber de nenhum deles. Por

favor, com humor, mostre como eles podem aprender a

conviver melhor com as suas diferenças, porque eles não se

escutam! O clima aqui não é dos melhores!

O resultado é que foi a primeira vez que, humildemente, as

pessoas se sentaram perto umas das outras. E, logo depois,

soube que as reuniões ganharam em qualidade e são mais

rápidas e produtivas.

Quanto mais escutarmos as nossas diferenças, mais ricos

seremos!

Isto significa também ouvir não só as pessoas, mas também

o que a vida nos diz. A vida dá-nos informações a todo o

momento; escutá-las é como escutar-se a si próprio e perceber

dentro de si quais os melhores caminhos e direções que

pode seguir.

E é claro que a intuição é algo fundamental para este processo.

Se realmente aprendermos a escutar e tivermos prazer em

escutar algo diferente, muitos conflitos poderão ser evitados.

É realmente uma doença da alma humana querer que o

outro seja igual a si, que se comporte como você, que pense

da mesma forma! Ninguém é igual a ninguém. E mesmo

as pessoas com quem temos sintonia também são diferentes

de nós em vários aspetos.

Escutar é um dos caminhos fundamentais para a aprendizagem

e abre caminhos para o sucesso na vida pessoal e profissional.

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