A cultura do «não sei» – O medo do desconhecido
– Disse para ele que eu não suportava mais aquele autoritarismo lá dentro de casa e
que desde que ele virou gerente de banco está mais insuportável ainda! «Pensa que eu
não sei que você vive gritando com os seus funcionários como você grita comigo?»
Cleyton, que briga com o seu companheiro porque este urina no tampo da sanita
in «Mário, teu Humor está no Armário»
Um dos maiores prazeres que tenho é fazer as pessoas rirem do medo do desconhecido, das mudanças, das crises, dos desafios, enfim, do próprio medo.
Isto acontece quando interpreto Cleyton no espetáculo «Mário, teu Humor está no Armário». Ele conta como brigou com o seu parceiro, o Dudu, porque este urina no tampo
da sanita. É um momento em que brinco muito com a plateia. E tanto a plateia como eu divertimo-nos muito! Dudu é uma pessoa autoritária. A dada altura, quando a filhinha de ambos, a gatinha Bebel Eduarda, está a morrer, Dudu conta que tem medo que a gata morra porque finalmente
percebe como tem medo daquilo que ele não conhece, o desconhecido.
E, por isso, faz o possível e o impossível para controlar tudo. E quando as coisas saem das mãos dele ou quando aparece algo novo e diferente, ele fica tão nervoso que começa a gritar com os seus colaboradores e até com Cleyton.
Isto serve para fazer muitas reflexões. Dudu tem medo que a gata morra porque tem medo da
morte? Claro, mas ele também tem medo da vida. Ele tem medo daquilo que NÃO CONTROLA, do desconhecido, daquilo que é diferente. Dudu é gerente de um banco, grita com os seus funcionários
e pensa que ter poder é fazer as pessoas obedecerem à sua vontade. Ele tem medo de ouvir uma opinião diferente da dele. Tem medo de ser flexível.
A razão de termos medo de sermos flexíveis, ou termos medo daquilo que é novo e desconhecido, está na raiz do nosso medo ancestral, que é o medo da morte. Não sabemos como e quando vamos morrer. Mas esse medo não é apenas da morte, é o medo que também temos do desconhecido, da
própria vida e daquilo que não controlamos. Não sabemos o que acontece dentro de cinco minutos. Tudo pode acontecer.
E, quando ocorre algo inesperado, geralmente ficamos assustados porque não estávamos à espera.
Aeducação que recebemos na escola foi no sentido de vivermos as nossas vidas como se fosse algo totalmente seguro. Na escola não nos ensinaram a conviver com o medo que
temos do desconhecido. E algumas pessoas agem para terem segurança a qualquer custo. Às vezes, desesperadamente.
Recordo um professor de epistemologia que tive que dizia:
«A segurança é o mal do neurótico».
Sinto que, quanto mais abertos estivermos para aquilo que é novo e desconhecido que acontece no dia-a-dia, menos nos assustaremos, e poderemos aprender com o que surge, em vez de negarmos e fugirmos. Ter a consciência clara de que não controlamos absolutamente tudo o que acontece na vida pode trazer-nos um imenso alívio. Torna-se mais fácil caminhar sabendo que o desconhecido está sempre presente nas nossas vidas! A atitude construtiva é estarmos atentos e percebermos o que a vida está a dizer-nos naquele momento, e estarmos abertos para escutarmos. E, assim, não teremos medo de ouvir uma opinião sobre o nosso trabalho ou sobre a nossa vida.
Costumo dizer que quando completei 30 anos fiquei muito feliz ao descobrir que era muito burro e que a prepotência da adolescência tinha acabado. Quando você sabe que nada sabe, está aberto para ouvir a outra pessoa. Ela pode saber algo que você não sabe e você também pode saber algo que ela não sabe. Esta troca pode ser divertida porque dá vivacidade ao trabalho e às relações pessoais! Você pode aprender com o seu filho ou com o seu pai!
Sabermos que não sabemos nada é maravilhoso, porque proporciona um caminho infinito para podermos aprender!
Os melhores líderes e profissionais que conheci nestes meus 20 anos a apresentar o meu trabalho em empresas são aqueles que não têm medo de se virar para a outra pessoa e perguntar: «Você acha que estou a fazer isto da melhor maneira e que estou num bom caminho?».
Muitos pensam: «Não posso mostrar que tenho dúvidas.
Tenho de mostrar que sou poderoso, que sei tudo!».
Mas o que é ser poderoso e saber tudo? Nem sequer sabemos se vai chover no fim do dia! Nem o que realmente nos vai acontecer no minuto seguinte ou se vamos conseguir chegar a casa depois do trabalho. As pessoas perguntam-me:
– Podemos não chegar porque podemos morrer, não é?
– Sim, a qualquer instante. Mas também podemos não chegar a casa porque decidimos ir ver um amigo e beber uma cerveja com ele ou porque resolvemos ir ao centro comercial comprar um presente para a mulher ou para o filho.
O que sabemos nós?
Um professor de gestão de nacionalidade alemã que me conheceu durante uma apresentação numa universidade no âmbito de um MBA contou-me que tinha vivido num país nórdico.
Quando perguntaram a um presidente da câmara municipal que tinha acabado de ganhar a eleição o que ele iria fazer a partir de então ele respondeu:
– Não sei, vou perceber melhor como as coisas estão. Vou ouvir as pessoas e ver o que realmente precisa de ser feito. Este professor ficava muito espantado ao perceber que em muitos países as pessoas e os governantes têm a pretensão de mostrar a todo o custo que sabem muito!
Quem sabe realmente algo, sabe que tem de aprender sempre, e isto proporciona uma humildade aliada a uma atitude de querer sempre ouvir as pessoas para poder melhorar.
E isso traz-nos uma grande CURIOSIDADE pela vida, por ter o prazer de aprender e trocar com as pessoas seja de que classe social for, pois muitas vezes a cultura de vida que a pessoa tem vale muito. Quando tenho dúvidas sobre algo, pergunto à minha cozinheira e ela diz-me coisas surpreendentes
de forma genuína e vai direta ao ponto.
Ouvi falar de um grande líder que tinha entrado recentemente numa empresa onde existiam muitos conflitos internos na comunicação entre as pessoas. Tentou conversar com muitos diretores e colaboradores abertamente e o resultado não era satisfatório. E eles não diziam tudo o que
pensavam. Então, ele esperava todas as pessoas saírem e ficava lá a conversar com as empregadas de limpeza, às vezes até tomavam café. Elas contavam tudo o que viam e ouviam.
Foi assim que ele soube o que realmente acontecia na sua empresa e passou a redirecionar o seu trabalho de outra forma.
Recentemente, um importante banco espanhol contratou--me para fazer um espetáculo/palestra cujo tema era «Riscos organizacionais». O banco perdia imenso dinheiro porque as pessoas não falavam umas com as outras e não reportavam os erros que percebiam. Se estes erros fossem comunicados, poderiam ser sanados e não se perderia tanto dinheiro. Havendo comunicação dos erros, poderia haver ajuda e cooperação. Mas mostrar «que errei, que não sei» é um drama para muitas pessoas.
Há muitas pessoas que cresceram acreditando que não podem errar, que têm de demonstrar que são perfeitas e que sabem tudo. Na verdade, só chegaremos a um equilíbrio satisfatório se olharmos para os erros e crescermos com eles.
Os grandes profissionais, em qualquer área, sabem que, quanto mais souberem, mais vão ter o que aprender! O sábio Platão já dizia: «Sei que nada sei!».
E não há limite para o saber. Este é um dos caminhos para exercermos a excelência em qualquer área da vida. É maravilhoso saber que você não é o ser mais inteligente do planeta!
As empresas que mais crescem são as que sabem trabalhar em equipa, onde uns trocam informações com os outros!
Sabemos pelas histórias dos negócios que as empresas que criaram novos produtos davam liberdade para os seus colaboradores expressarem as suas ideias. O que aparentemente parece «ridículo» pode ser uma ideia que será completada e transformada por outra pessoa, e você também poderá
transformar uma ideia já transformada.
E a troca de informações pode ser muito divertida. As pessoas da equipa entenderão que o resultado de uma pessoa é o resultado de um trabalho em conjunto. Se ficarmos vaidosos ou rancorosos porque o «meu colega teve uma ideia que eu não tive» essa equipa não funcionará. A mesma
coisa se passa em relação a pensar que «o departamento X cresce e o meu não». Se um departamento cresce, isso acabará por afetar positivamente a sua empresa como um todo.
Vejo as pessoas competindo entre elas dentro das empresas, mas essa competição tem de acontecer entre a minha empresa e a concorrente, e não entre mim e o meu colega do lado! Se o meu colega consegue evoluir e trabalhamos em equipa, a vitória dele será a minha vitória. E se a vitória
dele ajuda a empresa a crescer, a empresa terá mais lucros e eu acabarei por também lucrar.
Conheci um executivo em Portugal que era conhecido por comprar empresas falidas, que depois reconstruía e vendia por um valor superior. Perguntei-lhe como o fazia. E ele simplesmente respondeu:
– Confio nas pessoas, abro o meu coração para elas e trabalhamos realmente em equipa! E, às vezes, para surpresa de muita gente, levo algumas pessoas para almoçar lá em casa. Um almoço simples. Muitos já almoçaram lá! Segue-se um exemplo de um outro lado não tão positivo.
Fui chamado por uma empresa para apresentar o meu trabalho na sua festa de Natal. Segundo o diretor de Recursos Humanos, os departamentos comemoravam o Natal isoladamente.
O diretor do sector de Marketing e a sua equipa comemoravam num restaurante. E aí encontravam outro diretor de outro departamento com a sua equipa. E o diretor de Marketing proibia a sua equipa de falar com a outra equipa quer na empresa quer no restaurante, mesmo sendo
uma festa de Natal! E, assim, o diretor de Recursos Humanos pediu-me que, nesse ano, o meu espetáculo/palestra fosse a primeira interação possível entre todas as pessoas da empresa que não sabiam comunicar entre elas, para que pudessem entender o valor da troca de informações e
aprendessem a ser flexíveis uns com os outros. Ainda lhe perguntei como a empresa conseguia viver assim, ao que ele respondeu: «Mal! Poderíamos ganhar mais, ter mais lucros, mas perdemos imenso tempo e dinheiro por causa da falta de comunicação entre nós!». Um diretor de uma empresa de telecomunicações convidou-me para apresentar o meu trabalho porque alguns diretores
não sabiam comunicar. Uns gritavam, outros gostavam de humilhar as pessoas. A comunicação na empresa de telecomunicação era péssima! Um dos personagens que apresentei foi um médico que é um excelente profissional, tem títulos, doutoramentos, etc., mas é muito vaidoso e pensa que sabe tudo. Algo acontece na vida desse médicoque o obriga a falar com as pessoas da sua família: a mulher, a mãe, a filha e a amante. E fica muito surpreendidoao conversar com elas e perceber que estas pessoas vivem e têm pensamentos diferentes dos dele. E cada vez fica mais assustado. O mais interessante é que ele percebe que realmente nem sequer sabe falar com a filha: «Tenho tantos
títulos, mestrados, phd’s, e para quê tudo isto se nem sei conversar com a minha filha?».
Ele começa a tomar consciência de que não é o dono da verdade e de que não sabe muita coisa. Esta história tem humor e emoção. Vi na plateia um homem muito emocionado.
Na hora das perguntas, no meio da palestra, foi o primeiro a colocar questões de forma sensível e curiosa. Soube depois que ele era um dos diretores mais difíceis e que gritava com as pessoas por tudo e por nada. E no dia seguinte, ao entrar na empresa, disse «bom dia» ao homem
da portaria e às outras pessoas. Ele nunca o fazia. Apresentei o meu trabalho num centro de saúde que ajuda meninos com paralisia cerebral. Foram dois espetáculos/palestras para os pais das crianças e para os funcionários do centro. No primeiro dia não pude começar a horas, porque todos esperavam a diretora, que, segundo me disseram, era uma pessoa extremamente difícil e autoritária. Esta senhora assistiu ao espetáculo, riu, prestou atenção.
De repente, no meio da palestra, quando falei do medo do desconhecido, ela disse:
– E o que é que eu posso fazer? SEI que muitas vezes sou uma pessoa arrogante e que é difícil lidar comigo. E sinto dentro de mim como isto me prejudica e como causa um mau ambiente de trabalho. Queria ser outro tipo de pessoa, será que me entende?!
Os funcionários ficaram todos com o queixo caído pois jamais esperavam que aquela senhora dissesse tal coisa em público.
Eu respondi:
– Seja você mesma. Pode escutar sons como me escuta agora. Oiça as outras pessoas. Tenha calma. Ser líder é servir as necessidades das pessoas para que isto funcione melhor,
saber organizar isto. Gosta de ser líder? Então, queira ver e ouvir as pessoas.
E é claro que as pessoas que gritam com as outras e são autoritárias escondem um grande medo de lidar com a diferença do outro, de serem flexíveis, além de um medo enraizado em relação ao desconhecido! E preferem não mudar diretrizes e decisões que consideram serem «o certo». E, muitas vezes, só elas pensam assim!
Quando realmente descobrimos que o caminho certo pode ser aquele, não temos medo de ouvir opiniões diferentes que poderão mostrar que de facto o caminho está certo, ou até que poderia existir outro melhor! Mas, ao ouvir, poderemos somar mais ingredientes. Na verdade, somamos constantemente através das nossas diferenças, e, assim, o trabalho torna-se muito divertido.
Conheço líderes que amam o que fazem quando exercem a liderança dando espaço para as outras pessoas.
Sendo flexíveis, podemos encontrar um modelo de funcionamento próprio da nossa empresa ou da nossa casa. E sobre isto tenho um personagem de que gosto muito. Trata-se de uma outra versão do Cleyton, na qual ele e o parceiro se separam. E Cleyton acaba por fazer amor com uma mulher
pela primeira vez na vida. Atira-se a medo, mas vai em frente com o desafio daquilo que ele não conhece. E isto é interessante porque ter medo é humano, mas podemos caminhar mesmo com medo. Não caminhar e deixar que o medo paralise as nossas ações é que não é construtivo.
Então, Cleyton caminha, gosta muito da nova experiência, mas percebe que tem de voltar para o companheiro porque o ama. E esta mulher, Maria Amália, encoraja-o porque reconhece o amor dele pelo companheiro. Cleyton e o companheiro reconciliam-se e alguns meses depois ele encontra
Maria Amália, que está grávida dele. E fica patente que ele vive com o seu companheiro mas quer exercer a sua paternidade. Tudo sempre contado com muito humor e emoção! O mais interessante desta história é quando ela diz:
– Pois é, eu achei que ia namorar, noivar, casar e ter filhos.
E tudo aconteceu de uma forma diferente, mas nem por isso deixou de ser bonito.
Às vezes, queremos para a nossa vida pessoal ou para a nossa empresa um modelo ideal da maneira de viver. Mas a vida vai mostrando caminhos e direções que podem levar--nos a um caminho mais rico. Muitos teimam e não aceitam:
«Eu queria que fosse como eu quero, como eu imaginei!».
E fecham-se para o que a própria vida está a mostrar. Neste caso, Maria Amália poderia ter rejeitado o filho ou tê-lo tido sem querer a interferência de Cleyton e este poderia não ter assumido a paternidade. Mas ambos foram criar um modelo de convivência em que os três personagens aprenderam a conviver com o que a vida estava a apresentar-lhes e sendo flexíveis! Talvez não fosse o que eles tinham idealizado para as suas vidas, mas eles souberam transformar os acontecimentos
em algo ideal, com respeito, alegria e equilíbrio para todos, com uma identidade própria.
Já vi empresários quererem seguir o modelo exato da empresa concorrente, e isto não é algo negativo. Só não é bom é quando esquecemos que a nossa empresa tem uma identidade
própria, que vem da criatividade e da versatilidade dos funcionários.
Podemos até basear-nos num modelo de concorrência, mas nunca devemos virar as costas à nossa própria identidade.
Conheci uma jornalista que trabalha num jornal muito importante mais ou menos baseado na linha do seu concorrente. Só que ela dizia que já tinha trabalhado no jornal rival e que o clima era péssimo, cheio de disputas e invejas. Mas agora ela estava muito feliz, porque no novo jornal o clima era ótimo, todos queriam que o trabalho fosse um sucesso e ela sentia-se mais criativa do que nunca.
A flexibilidade nas relações pessoais e profissionais dá espaço para a criatividade acontecer. E as empresas criativas têm sempre uma identidade própria, mesmo que se pareçam com a empresa concorrente.
Compreendo o medo que muitas pessoas têm diante do desconhecido e das diferenças e o seu receio em serem flexíveis.
Penso que a melhor maneira de aprendermos a lidarmos com os nossos medos vem no capítulo seguinte.
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