A Alegria da Comunicação –Aprender a colocar-se no lugar do outro!
Quando tinha 17 anos e vivia no Brasil, ouvi
a minha professora de voz, a sábia Glorinha Beutemuller,
dizer: «A comunicação reside no olhar».
Ficava clara a importância de realmente olharmos para as
pessoas quando falamos, principalmente quando nós, atores,
interpretamos as nossas cenas.
Há já muitos anos que faço os meus espetáculos com as
luzes todas acesas, olhando nos olhos das pessoas. A ação
dos espetáculos decorre dentro de um consultório de um
analista: eu interpreto os personagens e o público é o meu
analista. Assim, posso olhar os espetadores nos olhos e
conversarmos o tempo todo, principalmente quando o público
está calado.
Uma pessoa que me olha de braços cruzados quer dizer
uma coisa, uma pessoa que está com a mão no queixo quer
dizer outra. Posso não saber o que elas pensam, mas, quando
as OLHO, sinto algo no meu coração. Esta informação
segue diretamente para o hemisfério direito do cérebro, o
lugar da nossa inteligência intuitiva e emocional.
No dia seguinte, alguém me faz uma proposta que me parece
boa, clara e lógica, mas que me leva a sentir algo estranho.
Contudo, penso: «A proposta é boa, clara, lógica.»,
e sigo em frente. Alguns dias depois, as coisas correm mal,
porque NÃO DEI OUVIDOS à sensação estranha, que era a
minha intuição. É fundamental que aprendamos a escutar
aquilo que não é dito pelas palavras, pois a forma de você
me ouvir calado, é a forma de você falar comigo.
Isto é maravilhoso, pois podemos recuperar uma relação no
trabalho ou em casa se voltarmos a «escutar as pessoas».
Carlos Alberto é um personagem do espetáculo «Mário, teu
Humor está no Armário». Trata-se de um executivo que
perdeu o emprego e que agora é um dono de casa, tendo de
enfrentar os desafios do lar. Ele tem medo e dramatiza
demais as dificuldades com que se depara na sua nova vida.
Quando vai fazer alguma coisa, percebe que afinal não é
tão horrível como ele pensava, aprende a tirar prazer da
situação e acaba por dar valor ao trabalho que a sua mulher
faz em casa. Ele aprende a colocar-se no lugar de uma outra
pessoa.
Muitas vezes reclamamos do colega do lado, mas não fazemos
o trabalho dele, pois não? Ocupar o lugar do outro não
é apenas pensar em fazer o trabalho do outro. É ter consciência
de que a outra pessoa que está a ouvir-nos é diferente
de nós: que ela aprendeu que «a cor vermelha é vermelha
» de uma maneira diferente da nossa, que cada um
tem um histórico pessoal, emocional e corporal completamente
diferente.
Assim, quando falamos é importante perceber se a outra
pessoa está realmente a compreender a nossa mensagem.
Se realmente estamos a transmitir a mensagem de uma
forma clara. Convém perceber como o(s) outro(s) nos escuta(
m) enquanto falamos.
No mundo ocidental falamos demais e escutamos pouco.
Isto é uma doença.
Se se escutassem melhor, muitas das pessoas que discutem
frequentemente talvez não o fizessem tanto. Também já vi
inúmeras vezes pessoas a discutir embora concordassem
uma com a outra, tudo só porque não se escutavam!
Há enormes problemas nas relações afetivas e profissionais
motivados por ruídos de comunicação. Se aprendêssemos a
escutar, os problemas ficariam reduzidos a metade.
É muito importante saber «parar» – fazer realmente um stop.
Olhar para a pessoa e deixar o som dela vir até nós. Começará
a ouvir e a ver coisas a que não está habituado.
E, assim, a sua intuição poderá ficar mais ativada. Passo a
explicar: ao criar a paciência e a calma para escutar, haverá
momentos em que poderá escutar algo vindo através do
silêncio. Assim, você poderá escutar as sensações e a sua
intuição, que é ativada pelo hemisfério direito do cérebro,
o lugar da dita inteligência emocional (de que Daniel
Goleman1 tem vindo a falar há anos). Durante a comunicação,
irá muitas vezes sentir algo que vem de dentro como
uma voz: «É melhor dizer isto agora» ou «É melhor não
falar agora». E também poderá sentir «algo não muito
claro» mas que o cérebro registará e que, mais cedo ou
mais tarde, ficará mais claro, até que o entenderá através da
inteligência emocional juntamente com a inteligência lógica
(hemisfério esquerdo do cérebro).
O hemisfério direito do cérebro, com a inteligência emocional
desenvolvida, tem uma relação direta com o hemisfério
esquerdo. As duas partes do cérebro funcionam juntas,
como numa dança: tenho a intuição ou sinto a sensação,
e posso pensar com a minha inteligência lógica sobre como
agir para melhorar a minha conversa, ou deixar o meu corpo mais confortável, tornando assim a comunicação mais
agradável e produtiva.
Algumas pessoas dizem-me: «Mas isto é difícil».
Eu respondo: «Se disser para si próprio que é difícil, o seu
hemisfério direito do cérebro escutará e passará a ser difícil.
Tenha cuidado com o que diz, pois o hemisfério direito
do cérebro ouve. A nossa mente é poderosíssima.»
Recomendo que a palavra «difícil» ou «complicado» seja
substituída por: «É possível!».
E começar a ativar o seu hemisfério direito do cérebro é
simples: comece a permitir-se escutar. Eis um bom exercício:
quando alguém perguntar «Você está bem?», em vez de
responder de imediato como piloto automático, iniba essa
resposta, olhe para a pessoa, escute-a e receba a mensagem.
Então perceberá de que maneira vai querer responder-lhe.
Assim, começamos a mudar um hábito. Comece a realmente
escutar e falar menos; poderá abrir um novo campo de
informações e nascerá um novo prazer no ato de conversar.
A mudança de hábitos remete-me para um trabalho com o
corpo que fiz durante muitos anos chamado «Técnica Alexander
», criado por Frederick Mathias Alexander2, em Londres,
que consiste em mudarmos os nossos maus hábitos
que nos causam tensão e impedem o nosso corpo de se
expandir. O mais interessante é que não é apenas um trabalho
corporal em que temos de fazer exercícios. É um trabalho
feito com um professor da técnica, em aulas individuais,
onde percebemos como a maneira que pensamos está
ligada à maneira como nos movimentamos. Assim, através
das aulas, aprendemos a inibir os maus hábitos, a pensar
sobre eles e a começar a permitir que o corpo adquira um
novo movimento ou um movimento que é mais natural
(sem tensões) e que está coordenado com a sua maneira de
pensar. Fiz durante muitos anos aulas da «Técnica Alexander
» com o professor Roberto Reveilleau, que dá aulas no
Brasil e em Portugal, o que se revelou fundamental para o
meu trabalho, pois falo constantemente sobre mudanças.
Propor que inibamos nossas falas «automáticas» e passemos
a ouvir está ligado aos anos de trabalho com esta técnica.
Podemos realmente usar o dom da escuta e expandi-lo.
Todas as células do corpo humano têm inteligência, afeto e
sensibilidade. Quando comunicamos, todo o nosso corpo
está presente, isto é, funcionamos de forma inteira. A voz
não vem apenas da garganta, vem do corpo inteiro. O mesmo
se passa em relação a ouvir: não escutamos apenas com
os ouvidos, mas com o corpo inteiro. Assim, durante a comunicação,
os corpos transmitem sensações, emoções e
pensamentos.
Quando escutamos/falamos, estamos a olhar para o(a) nosso(
a) interlocutor(a). A outra pessoa também tem um corpo
que está presente, e, por mais que a olhemos nos olhos, percebemos
o outro corpo que também se comunica connosco.
E várias informações são passadas durante a conversa. Às
vezes, sentimos se fulano é uma pessoa agradável, ou se
sicrano fala muito depressa, ou se o nosso corpo se sente
desconfortável ou, se temos uma intuição melhor, que é a
hora de «abordar o tal assunto». Isto para os vendedores é
fundamental. Se eles estiverem concentrados a escutar o seu
cliente no momento presente, sentirão o momento exato
para abordar um determinado ponto ou mesmo para se
calarem. O mesmo ocorre no trabalho em equipa.
Se você quer recuperar uma relação em casa ou no trabalho,
ou mesmo aprender a trabalhar melhor em equipa,
escute. As grandes mudanças começam com o simples ato
de ESCUTAR!
Escutar significa também doar o seu tempo de vida para
olhar, perceber o outro, e então acontece «o escutar»! Isto
é colocar-se no lugar do outro!
Além de que este ato acarreta uma generosidade, pois estou
a abrir-me para ouvir algo que pode ser completamente
diferente do que eu penso, e do que eu sou.
Conversar é uma arte e podemos aprender imenso com ela!
Apresentei o meu trabalho ao sector de vendas de uma
empresa onde acontecia que os vendedores achavam que os
clientes estavam «ganhos», isto é, fidelizados, mas um ou
dois anos depois perdiam-nos.
Quando acabou a palestra, um vendedor procurou-me e disse:
– Agora estou a perceber… Eu tratava o meu cliente sempre
da mesma forma, sorria para ele, achava que ele estava
nas minhas mãos, tudo porque já tinha efetuado a venda.
Mas agora vejo que eu deixei mesmo de escutá-lo. Acho
que deixei de escutar até a minha mulher lá em casa, e já
não nos entendemos tão bem! Vou falar menos, sabia?
Um outro vendedor disse-me:
– Eu adoro vender, mas, quando vendo, fico tão excitado,
que embora tenha aprendido que deveria ouvir o meu cliente,
acabo por não o fazer, limito-me a fingir que o oiço!
Sabe que tenho a sensação, ou intuição, de que, se escutar
de verdade, venderei melhor?
Um outro diretor de uma empresa de software telefonou
para me contar:
– Eu não podia acreditar! Estava eu a almoçar perto de dois
homens e um deles disse: «Para de falar de mais. Faz como
o Raul nos ensinou e ouve-me. Se não, ficas a falar sozinho.
Eu estou cansado disto, só que eu é que te escuto!».
E o diretor continuou:
– E as pessoas cumprimentam-se de uma forma nunca
antes vista.
– Como assim? – perguntei.
– Existe calma, e as pessoas têm prazer em dizer «Bom
dia» e olham-se quando se cumprimentam! O que é isto?
– As pessoas são inteligentes. Percebem que podem escutar,
basta quererem.
Num congresso de Informática, um diretor de uma empresa
procurou-me após a minha apresentação:
– Quero dizer-lhe uma coisa. Todos os dias, quando chego
a casa, o meu filho de 7 anos vem logo falar comigo, dá-
-me um beijinho e começa a falar. Eu olho para ele, ouço-o,
mas cinco minutos depois fico só a olhar para ele fingindo
que estou a escutar, pois na verdade estou a pensar nos problemas
do meu trabalho. Hoje, prometo, vou querer realmente
escutar o meu filho.
Um outro exemplo similar aconteceu em Angola quando
me desloquei até lá em trabalho em março de 2010. Um
homem que trabalha no sector de marketing disse-me:
– Os meus filhos, que ainda são pequenos, queriam falar
comigo quando eu chegava a casa, e eu despachava-os, dizendo
que não tinha tempo para ouvi-los. A minha mulher
reclamava, dizia que era importante que eles sentissem a
presença do pai. E eu dizia: «Mas eu já estou aqui! Eles não
estão a ver-me?». Mas, depois de assistir ao seu trabalho,
cheguei a casa e comecei a ouvi-los. E tenho-o feito todos os
dias. Parece que estou a conhecê-los melhor. E digo ainda:
«Venham cá que o pai quer dar-vos um abraço!». E tenho
sentido prazer nisso; na verdade, parece que estou a descobrir
o que é ser pai!
No caso acima, este homem passou a praticar mais «o escutar
», redescobriu o seu papel de pai, e é claro que tanto a
autoestima dele aumentou, como os filhos receberam mais
atenção e afeto, o que pode resultar em relações mais
saudáveis. Podemos sempre refinar a nossa comunicação e
isto trar-nos-á BONS RESULTADOS tanto nas relações pessoais
como nas profissionais.
Uma vez um vendedor disse-me:
– E se faço todo esse esforço e o cliente não compra nada?
– Ele pode não comprar. Agora, isto não pode ser um esforço,
não é para forçar. Se você se doa e ouve o seu cliente,
construirá uma relação sólida. Esse cliente pode não comprar
agora, ou até não comprará a si, mas poderá comentar
com outra pessoa ou outra empresa quão bem atendido foi
por si.
Não há preço que pague a recomendação de um cliente para
outro. Isto já aconteceu num trabalho onde eu apresentava
para vendedores de óticas de um laboratório.
Havia um grande vendedor, que era famoso porque gostava
das pessoas e tinha prazer em escutá-las.
Contaram-me que, uma vez, uma senhora de 70 anos lhe
disse:
– Eu não vou comprar nada agora, mas sei que a minha
vizinha está a precisar de fazer lentes novas, vou aconselhá-
la a vir aqui falar consigo! Você trata-nos tão bem!
Isto é uma ponte para o presente e para o futuro. A ação
desta senhora vale muito dinheiro e o trabalho do vendedor
também.
Fiz uma apresentação numa empresa de telecomunicações,
onde existia um conflito de comunicação entre os diretores
e os colaboradores.
No dia seguinte, o diretor ligou-me:
– Foi a primeira vez que um diretor pediu a opinião de um
colaborador na reunião. Ele virou-se e disse: «Então, diga-
-me, o que pensa sobre isto?». As pessoas ficaram surpreendidas,
pois ninguém esperava que este homem, que é considerado
um dos mais difíceis, fosse uma das pessoas a perguntar.
Obrigado!
– Obrigado, eu! – respondi. – As pessoas surpreendem-nos
sempre!
As empresas perdem milhões de euros devido à falta de
uma comunicação sadia, o que impede que o trabalho seja
mais eficaz. Isso acaba por afetar profundamente a produtividade.
Este é o grande drama das fusões nas empresas. Não tivemos,
quando éramos pequenos, um trabalho emocional que
nos ensinasse a conviver com as diferenças do outro e a
aceitar as mudanças nos nossos corações. Não tivemos
aulas de relacionamento na escola!
Muitas vezes os diretores das empresas que se fundem dizem:
– Vocês têm de aceitar. São as mudanças do mercado!
E as pessoas acatam intelectualmente, mas, emocionalmente,
rejeitam, e odeiam terem de ouvir aquela pessoa que
«eu não conheço e que está a ocupar o lugar do meu colega
que foi embora!».
Uma vez, fui chamado por uma grande empresa de petróleo
que tinha acabado de se fundir. A diretora de Recursos
Humanos disse-me:
– No ano passado, na festa de Natal, as pessoas da empresa A
recusaram-se a sentar-se perto das pessoas da Empresa B e
a empresa C também não quis saber de nenhum deles. Por
favor, com humor, mostre como eles podem aprender a
conviver melhor com as suas diferenças, porque eles não se
escutam! O clima aqui não é dos melhores!
O resultado é que foi a primeira vez que, humildemente, as
pessoas se sentaram perto umas das outras. E, logo depois,
soube que as reuniões ganharam em qualidade e são mais
rápidas e produtivas.
Quanto mais escutarmos as nossas diferenças, mais ricos
seremos!
Isto significa também ouvir não só as pessoas, mas também
o que a vida nos diz. A vida dá-nos informações a todo o
momento; escutá-las é como escutar-se a si próprio e perceber
dentro de si quais os melhores caminhos e direções que
pode seguir.
E é claro que a intuição é algo fundamental para este processo.
Se realmente aprendermos a escutar e tivermos prazer em
escutar algo diferente, muitos conflitos poderão ser evitados.
É realmente uma doença da alma humana querer que o
outro seja igual a si, que se comporte como você, que pense
da mesma forma! Ninguém é igual a ninguém. E mesmo
as pessoas com quem temos sintonia também são diferentes
de nós em vários aspetos.
Escutar é um dos caminhos fundamentais para a aprendizagem
e abre caminhos para o sucesso na vida pessoal e profissional.
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